A Anvisa publicou hoje (04/05) a Consulta Pública (CP) n. 1092/2022 [1] para revisar a Resolução de Diretoria Colegiada – RDC nº 98, de 01 de agosto de 2016 [2], que dispõe sobre os critérios e procedimentos para o enquadramento de medicamentos como isentos de prescrição e o reenquadramento como medicamentos sob prescrição e dá outras providências.

De largada, verifica-se que houve alteração do inciso II do Art. 4º da RDC n. 98/2016 – que agora passa a ser o inciso II do Art. 5º da norma proposta –, que dispõe sobre quais medicamentos não são passíveis de enquadramento como Medicamento Isento de Prescrição (MIP), assim como foi incluído um parágrafo único sobre as “sinonímias de indicações” e que elas não serão consideradas como novas indicações:

Resolução de Diretoria Colegiada n. 98/2016 Minuta proposta na Consulta Pública n. 1092/2022
Art. 4º Não são passíveis de enquadramento como medicamentos isentos de prescrição:

 

II- As apresentações que tenham indicação sob prescrição.

Art. 5º Não são passíveis de enquadramento como MIP:

 

II- medicamentos que apresentem concentrações maiores, doses diárias superiores, período de uso mais prolongado, ampliação da população alvo, novas indicações terapêuticas ou vias de administração diferentes das já aprovadas para os medicamentos registrados com o mesmo IFA sob prescrição.

 

Parágrafo único. Sinonímias de indicações não são consideradas novas indicações para os fins desta Resolução.

Além disso, foi modificado o Art. 5º da RDC n. 98/2016 – que agora passa a ser o Art. 6º da norma proposta – relativo à previsão de coexistência de apresentações isentas e sob prescrição, desde que diferenciadas por concentração; ou forma farmacêutica; ou, ainda, por unidades farmacotécnicas:

Resolução de Diretoria Colegiada n. 98/2016 Minuta proposta na Consulta Pública n. 1092/2022
Art. 5º É permitido que em um mesmo processo de registro coexistam apresentações isentas e sob prescrição, desde que diferenciadas por concentração ou forma farmacêutica ou unidades farmacotécnicas.

 

Parágrafo Único. Para as apresentações isentas de prescrição médica, o texto e o layout de bula e rotulagem deverão conter, obrigatoriamente, as informações estabelecidas em resolução específica.

Art. 6º É permitido que em um mesmo processo de registro coexistam apresentações isentas e sob prescrição, desde que as apresentações registradas como isentas de prescrição atendam às características dispostas na LMIP.

 

Parágrafo único. As apresentações isentas e sob prescrição devem ser distinguíveis quanto às embalagens, rótulos, bulas e nomes comerciais, quando aplicável.

 

O parágrafo único passa por mudança também, dispondo de forma clara e objetiva que as apresentações isentas ou sob prescrição devem possuir elementos distintivos suficientes para se evitar quaisquer confusões entre elas, afastando-se o risco de aquisição, dispensação e/ou consumo de forma equivocada.

Na sequência da Minuta da CP, verificam-se inclusões substanciais de dispositivos antes não previstos na norma. A primeira delas se encontra no Art. 8º do texto proposto, o qual diz respeito ao fato da solicitação do enquadramento de medicamento como MIP e, consequentemente, a sua alteração de restrição de prescrição, poder ser referente a totalidade das condições aprovadas OU com relação a parte delas:

Art.8º A solicitação de enquadramento como MIP poderá ser referente a:

I – medicamento com as mesmas características de um medicamento já registrado como de venda sob prescrição para o qual se pleiteia a alteração de restrição de prescrição para a totalidade das condições aprovadas, ou

II – medicamento para o qual a alteração de restrição de prescrição seja referente apenas à parte das condições aprovadas para um medicamento já registrado como de venda sob prescrição, em termos de concentração, número de unidades farmacotécnicas, indicações terapêuticas, população alvo, posologia, via de administração ou restrições de uso. [destacamos]

 

A segunda inclusão está relacionada as “provas” passíveis de serem apresentadas pelas detentoras dos registros que tenham por objetivo o enquadramento dos seus medicamentos como isentos de prescrição. Isso porque o novo Art. 9º da Minuta de CP elenca um rol daquilo que deverá ser apresentado em conjunto com o racional técnico (exigido na RDC vigente):

Art. 9º O atendimento aos critérios estabelecidos no Art. 4º desta Resolução deverá ser demonstrado por meio da apresentação de:

I – relatórios de estudos não clínicos e clínicos;

II – dados de estudos não clínicos e clínicos publicados na literatura científica indexada, ou

III – comprovação de enquadramento do medicamento como MIP e relatório da avaliação emitido por outras Autoridades Reguladoras Equivalentes.

Parágrafo único. O tipo de comprovação científica necessária assim como a  aceitabilidade de dados de literatura científica serão avaliados considerando as características de cada solicitação de enquadramento. [destacamos]

 

Da leitura do dispositivo proposto, extraem-se conclusões importantes e que não encontravam qualquer correspondência com a RDC n. 98/2016:

i) Autoriza a apresentação de dados de literatura-científica indexada para a comprovação da possibilidade de enquadramento dos medicamentos como isentos de prescrição.

Destacamos a palavra “indexada”, pois conforme afirma o brocardo latim “não se presumem, na lei, palavras inúteis” [1] e aqui não é diferente. Parte do setor regulado entende por literatura-científica todo e qualquer artigo/pesquisa publicado, ou seja, passível de ser referenciado.

Porém, quando se lê “indexada” se deve ler “qualificada”, ou seja, presente em bases de dados de rigoroso processo de seleção/aceitação dos artigos e de relevância reconhecida no meio acadêmico.

ii) O rol de documentos é meramente exemplificativo, uma vez que o parágrafo único da norma informa que o “tipo de comprovação científica necessária” serão avaliados considerando as características de cada solicitação de enquadramento.

Ou seja, serão tratados caso-a-caso, o que nos leva a crer que poderá haver discricionariedade no aceite da documentação a ser aportada;

iii) A norma não indica o que seriam as “outras Autoridades Reguladoras Equivalentes”.

Na Minuta Proposta poderia ser incluída, no Art. 2º, a definição de “Autoridade Reguladora Equivalente” ou, até mesmo, elencar em dispositivo próprio quais seriam aquelas consideradas “equivalentes à Anvisa” pela Autarquia.

 

Diante do citado dispositivo, também houve mudança no inciso II do Art. 9º da RDC n. 98/2016 que passa a ser o inciso II do Art. 11 na Minuta de CP, fazendo-se referência a necessidade de se apresentar, além do racional técnico, os documentos citados:

Resolução de Diretoria Colegiada n. 98/2016 Minuta proposta na Consulta Pública n. 1092/2022
Art. 9º A petição de solicitação de enquadramento de medicamentos como isento de prescrição deverá estar acompanhada dos seguintes documentos:

 

II- Racional técnico para o enquadramento, abordando os critérios estabelecidos no art. 3º desta Resolução;

Art. 11. A petição de solicitação de enquadramento de medicamentos como isento de prescrição deverá estar acompanhada dos seguintes documentos:

 

II – Racional técnico para o enquadramento, abordando os critérios estabelecido no artigo 4º e documentos estabelecidos no Art. 9º desta Resolução;

O Art. 10 da RDC n. 98/2016 passa por modificação substancial, passando a vigorar no Art. 13 da Minuta da CP e indicar quais as informações mínimas que deverão constar na Lista de Medicamentos Isentos de Prescrição (LMIP):

 

Resolução de Diretoria Colegiada n. 98/2016 Minuta proposta na Consulta Pública n. 1092/2022
Art. 10. A decisão da ANVISA quanto à avaliação das solicitações de enquadramento de medicamentos como isentos de prescrição será objeto de publicação no Diário Oficial da União, por meio de instrução normativa específica.

 

§ 1º A relação dos medicamentos enquadrados como isentos de prescrição será disponibilizada na página eletrônica da ANVISA, por meio da LMIP.

 

§ 2º A LMIP será atualizada após a publicação da instrução normativa citada no caput deste artigo.

Art. 13. A Anvisa publicará a Lista de medicamentos isentos de prescrição (LMIP) e as respectivas características para enquadramento.

 

§1º A LMIP referida no caput conterá, minimamente, as seguintes informações quanto aos medicamentos sintéticos e específicos:

I – Insumo Farmacêutico Ativo;

II – Subgrupo terapêutico ou farmacológico;

III – Forma farmacêutica;

IV – Concentração máxima;

V – Indicações de uso simplificadas; e

VI – Restrições.

 

§2º A LMIP referida no caput conterá, minimamente, as seguintes informações quanto aos medicamentos fitoterápicos:

I – Espécie;

II – Classe terapêutica;

III – Parte empregada;

IV – Indicações de uso simplificadas; e

V – Restrições de uso;

 

§3º A concentração máxima disposta no inciso IV do §1º deste artigo se refere à quantidade do IFA presente na forma farmacêutica, não se referindo à dose posológica.

 

§4º As características para enquadramento como MIP aprovadas pela Diretoria Colegiada e constantes na LMIP poderão ser distintas daquelas solicitadas nas petições de enquadramento.

No tocante a necessidade de peticionamento eletrônico da “solicitação de alteração de categoria de venda”, previsto no Art. 11 da RDC n. 98/2016, verifica-se mudança para “notificação de alteração da categoria de venda” – § 1º do Art. 14 da Minuta da CP – a qual já deverá ser instruída com os “novos leiautes de bula e rotulagem”, evitando-se a necessidade de realização de mais um requerimento relativo à alteração de texto de bula, tal como preconizava o Art. 12 da RDC n. 98/2016.

O prazo de adequação dos medicamentos, em razão da atualização da LMIP, manteve-se inalterado (180 dias). Porém, garante-se aos genéricos e similares um prazo diferenciado, na medida em que para eles o prazo somente passará a contar a partir da adequação dos medicamentos de referência:

Resolução de Diretoria Colegiada n. 98/2016 Minuta proposta na Consulta Pública n. 1092/2022
Art. 14. Os medicamentos registrados como de venda sob prescrição que forem incluídos na LMIP deverão se adequar à nova classificação (MIP) em até 180 dias após publicação da LIMP.

 

§1º Nos casos em que todas as apresentações com registro válido necessitem da alteração para MIP, as empresas detentoras de registro de medicamentos deverão submeter, via peticionamento exclusivamente eletrônico, a “notificação de alteração da categoria de venda”, que deverá estar acompanhada dos seguintes documentos:

I – Comprovante de pagamento ou de isenção, da TFVS, mediante GRU;

II – Formulários de petição devidamente preenchidos e assinados;

III – Justificativa da petição e

IV – Novos leiautes de bula e rotulagem.

 

§2º Nenhuma mudança além das decorrentes da alteração da categoria de venda poderá ser realizada nas informações constantes no texto de bula.

 

§3º No caso de adequação de medicamentos genéricos e similares, o prazo referido no caput deste artigo é contado a partir da adequação dos respectivos medicamentos de referência.

Art. 11. A cada publicação da decisão de enquadramento efetuada pela ANVISA, todas as empresas detentoras de registro de medicamentos a serem enquadrados como MIP deverão submeter, via peticionamento exclusivamente eletrônico, em até 180 (cento e oitenta) dias após a publicação, a “solicitação de alteração da categoria de venda”, que deverá estar acompanhada dos seguintes documentos:

I- Comprovante de pagamento, ou de isenção, da TFVS, mediante GRU;

II- Formulários de petição devidamente preenchidos e assinados;

III- Justificativa da petição e,

IV- Novo layout de bula e rotulagem.

Com relação a “tomada de decisão” a respeito das petições de enquadramento e, consequentemente, das alterações (inclusões ou exclusões) da LMIP foi incluído dispositivo inédito (Art. 12º da Minuta de CP), atribuindo-se a competência que antes era, historicamente, da área técnica à Dicol:

Art. 12. Compete à Diretoria Colegiada da Anvisa a decisão quanto às solicitações de enquadramento de medicamentos como isentos de prescrição, devidamente subsidiada por pareceres técnicos das unidades organizacionais competentes.

 

Art. 10. A decisão da ANVISA quanto à avaliação das solicitações de enquadramento de medicamentos como isentos de prescrição será objeto de publicação no Diário Oficial da União, por meio de instrução normativa específica. §

 

1º A relação dos medicamentos enquadrados como isentos de prescrição será disponibilizada na página eletrônica da ANVISA, por meio da LMIP.

 

§ 2º A LMIP será atualizada após a publicação da instrução normativa citada no caput deste artigo.

Anteriormente, verifica-se que a Diretoria Colegiada, basicamente, era “um meio para um fim”. Ou seja, a Dicol tão-somente aprovava a LMIP proposta pela área técnica e tornava ela pública a partir da sua deliberação e, posteriormente, disponibilização em DOU. Não havia debate, a respeito dos medicamentos ali inseridos ou excluídos, tal como ocorre com outras listas de atualização periódica da Anvisa.

A mudança se mostra, a nosso ver, significativa. A Dicol poderá se tornar protagonista dessa análise, ainda que subsidiada pelas áreas técnicas competentes e pelos pareceres por elas exarados, uma vez que poderá decidir em desacordo com o que foi proposto pelos especialistas.

Surge dessa nova competência da Dicol a dúvida: no caso de discordância das Empresas a respeito da decisão tomada pela última e máxima instância do órgão regulador, caberá pedido de reconsideração ou recurso administrativo? O § 2º do Art. 15 da Lei n. 9.782/1999 [4] poderá ser invocado, ao menos, para permitir a rediscussão sobre o tema? A Minuta de CP é silente com relação ao procedimento de reavaliação e/ou solicitação de reconsideração pelas Empresas da decisão referente a LMIP.

Além disso, não se sabe, exatamente, como se dará essa deliberação da Dicol nessa nova sistemática, a partir dessa nova competência, dos medicamentos propostos para serem incluídos ou excluídos da LMIP: será caso-a-caso ou “medicamento-a-medicamento”? Haverá a disponibilização da lista a ser deliberada com a antecedência, a fim de permitir que as Empresas possam participar ativamente do debate? Será permitido a qualquer empresa, associação ou cidadão a participação para o debate? Por meio sustentação oral? Quem são os legitimados? Serão públicos e fornecidos os pareceres técnicos que subsidiarão a decisão da Dicol para que as Empresas/Associações tomem conhecimento dos fundamentos pelos quais estão opinando pela inclusão/exclusão ou não da LMIP?

Questionamentos como esses deverão ser direcionados à Anvisa para que se crie um fluxo que garanta previsibilidade, ampla participação (logo, ampla defesa e contraditório) e mecanismo de revisão da decisão.

Outros dois pontos que merecem destaque, ainda, dizem respeito a:

i) O 16 da Minuta de CP esclarece que para os medicamentos registrados como de venda sob prescrição que tiverem características diferentes daquelas estabelecidas na LMIP, poderão ser solicitadas as alterações pós-registro necessárias para adequação dos medicamentos ou apresentações para isentos de prescrição; e

ii) O Art. 17 da Minuta de CP corrige uma omissão da RDC n. 98/2018, a qual diz respeito ao prazo e documentação necessária para a adequação dos medicamentos que foram retirados da LMIP.

O prazo da CP para a contribuição pelas Empresas e Associações, segundo consta no próprio site da Agência, iniciará no dia 11/05/2022 e irá até o dia 22/06/2022, podendo, claro, se por conveniência e oportunidade da Administração ou, até mesmo, mediante a solicitação do Setor Regulado, ser prorrogado.

O Time de Relações Institucionais e Regulatório do CGM está monitorando esse e outros assuntos de interesse do Setor Regulado, então, acompanhem.

 

Referências:
[1] Disponível em: http://antigo.anvisa.gov.br/consultas-publicas#/visualizar/481289

[2]Disponível em: http://antigo.anvisa.gov.br/documents/10181/2921766/RDC_98_2016_COMP.pdf/dcb09ea1-e222-4192-98c5-54a13426dc4a;

[3] Verba cum effectu, sunt accipienda: “Não se presumem, na lei, palavras inúteis”.

[4] Disponível em L9782 (planalto.gov.br).